As pessoas seropositivas para o VIH que iniciem
terapêutica com contagem de células CD4 superior a 500/mm3, uma vez
terminado o período de primo infeção, têm uma maior probabilidade de ter uma
redução substancial do reservatório de células infetadas pelo VIH no organismo,
tornando-se fortes candidatos a futuras investigações acerca do controlo da
infeção sem necessidade de terapêutica, afirmam os investigadores franceses na 7ª Conferência da Internacional da AIDS
Society sobre a Patogénese do VIH, Tratamento e Prevenção (IAS 2013) em
Kuala Lumpur, Malásia.
O grupo francês concluiu que as pessoas seropositivas para
o VIH que iniciem o tratamento com contagem de células CD4 superior a 500/mm3
tinham uma probabilidade 56 vezes superior de ter uma normalização da
função imunitária e uma redução do ADN do VIH para níveis inferiores quando comparados
com os das pessoas que iniciaram o tratamento com contagem de células CD4 mais
baixas.
“Se (estes resultados) forem reproduzidos, deveremos
tratar os doentes com contagem de células CD4 acima de 500/mm3.”
Laurent Hocqueloux
O nível do ADN do VIH nas células do sistema imunitário do
sangue das pessoas seropositivas é uma forma importante de medir a quantidade do
ADN viral integrado nas células, prestes a iniciar uma nova replicação viral se
a terapêutica antirretroviral for interrompida. Os cientistas pensam que
reduzir a dimensão deste reservatório é um passo essencial no controlo do VIH
sem recurso a terapêutica.
O estudo, conduzido pelo Dr. Laurent Houcqueloux do
Hospital Orléan, em França, calculou as quantidades de ADN do VIH, a
normalização da contagem de células CD4 e o rácio CD4/CD8 nas pessoas que
iniciaram terapêutica antirretroviral após a infeção primária. O estudo tinha
como objetivo determinar se existia alguma diferença na probabilidade de
normalização da função imune e redução dos níveis do ADN do VIH em circulação nas
PBMC (células mononucleares do sangue periférifco) de acordo com contagem de
células CD4 realizada antes do início da terapêutica – contagem de “nadir” de
células CD4 (mais baixa de sempre).
Embora se saiba que as pessoas que iniciam terapêutica
antirretroviral com uma contagem de células CD4 superior a 500/mm3
têm maior probabilidade de atingir uma contagem dentro dos níveis normais
(neste estudo compreendidos entre 900-1000 células/mm3), estudos
realizados em pessoas tratadas na infeção crónica não resultaram em evidência
de uma redução substancial de ADN do VIH (reservatório do VIH entre as células)
ao longo do tempo.
Estes estudos não analisaram detalhadamente a
probabilidade de redução dos níveis do ADN do VIH durante a toma da terapêutica
antirretroviral de acordo com contagem de células CD4 aquando do início do
tratamento e muito menos em estudos coorte com um grande número de doentes.
Entre 2005 e 2009, o estudo de Orléans recrutou 309
pessoas sob terapêutica antirretroviral com carga viral abaixo de 50 cópias/ml
e acompanhou-as em média durante 3,7 anos (num total de 1407 doentes/anos de
acompanhamento). Foram recolhidas 1500 medições do ADN do VIH, com uma contagem
por ano a cada doente, mas os níveis do ADN do VIH antes do início da
terapêutica só puderam ser medidos em 25% dos casos.
Dos 309 doentes que participaram no estudo, 30 tinham contagem
inicial de células CD4 acima de 500/mm3, 155 contagem entre 200 e
499 células/mm3 e 124 abaixo de 200/mm3. Os doentes com
contagens de células CD4 abaixo de 200/mm3 tinham uma maior
probabilidade de já terem tido doenças relacionadas com SIDA e carga viral mais
alta aquando do início da terapêutica (um registo de 5,3 versus 4,6 cópias/ml
naqueles com contagem inicial de células CD4 superiores a 500/mm3).
Não existiram diferenças no tipo de tratamento recebido; entre 44 - 47% de cada
braço do estudo recebeu terapêutica antirretroviral baseada em inibidores da
protease.
Os investigadores observaram que uma limitação na análise
era a duração do acompanhamento de diferentes estratos de células CD4. Enquanto
as pessoas que iniciavam a terapêutica com contagem de células CD4 inferiores a
200/mm3 tinham um acompanhamento médio de 4,6 anos sob tratamento
com carga viral abaixo das 50 cópias/ml, aqueles que iniciaram o tratamento com
contagens de células CD4 superiores a 500/mm3 tiveram uma média de
apenas 2 anos de acompanhamento com carga viral abaixo das 50 cópias/ml.
O resultado primário do estudo foi uma comparação com a
proporção de participantes que durante a terapêutica alcançaram:
- Uma contagem de células CD4 normal
(superior a 900 células/mm3)
- Um rácio de células CD4/CD8 normal
(>1)
- Um baixo nível do ADN do VIH (< 2,3
cópias por milhão de PBMC)
A avaliação das respostas dos doentes foi estratificada de
acordo com contagem de células CD4 na altura do início da terapêutica: >500,
499-200 e abaixo de 200/mm3.
Os níveis do ADN do VIH desceram à medida que a contagem
de células CD4 durante a terapêutica subiu (correlação negativa = rho 0,145)
mas a distribuição dos níveis do ADN do VIH para cada célula CD4 era muito grande.
Os participantes com contagens de células CD4 acima de 500/mm3
tinham uma maior probabilidade de ter este valor normal (mediana de 1011, p<0,0001),
um rácio CD4/CD8 normal (1,25, p<0,001) e níveis do ADN do VIH mais baixos
(2,51, p = 0,0009) na última consulta se comparados com aqueles com níveis
inferiores de células CD4. Entre os que tinham contagem de células CD4
superiores a 500/mm3, 39% tinham uma medição final de ADN do VIH
inferior a 2,3 cópias/milhão PBMC em comparação com 21% dos que se encontravam
no intervalo 499-200 e 11% dos que se encontravam no intervalo de contagem de
células CD4 inferior a 200/mm3 (p<0,001).
Os três objetivos foram atingidos por 30% das pessoas cuja
contagem inicial de células CD4 era superior a 500/mm3, em
comparação com 3% daqueles com contagem inicial no intervalo dos 499-200/mm3
e nenhum entre os que tinham uma contagem inicial inferior a 200/mm3
(p<0,001). No modelo de riscos proporcionais Cox uma contagem inicial de
células CD4 superior a 500/mm3 era o único fator preditivo
significativo para alcançar o primeiro objetivo do estudo (hazard ratio 56, p<0,001).
Os investigadores também concluíram que ter contagem
inicial de células CD4 mais elevada (>500 células/mm3) antes do
início da terapêutica era um indicador modesto de um nível do ADN do VIH mais
baixo também antes de se iniciar a terapêutica, ainda que fosse fácil de prever
um nível mais baixo do ADN do VIH no final do estudo (p = 0,006). De facto não
existia qualquer diferença na redução mediana do ADN do VIH após um ano de
terapêutica entre aqueles com níveis de base do ADN do VIH quando comparados
com a contagem inicial de células CD4 (superior ou inferior a 500 células) (p =
0,8). Esta conclusão sugere que, tal como acontece com os adolescentes em
tratamento desde o início da infância, um tratamento de longa duração pode ter
efeitos positivos na redução dos níveis do ADN do VIH.
O Professor Rob Murphy, da Universidade Northwestern de
Chicado, chair da sessão, afirmou que
“estes são dados muito fortes” a favor do tratamento precoce. O Dr. Houcqueloux
apelou a outros médicos com várias coortes de doentes a verificar estes
resultados pois “se forem reproduzidos, devemos tratar os doentes com contagem
de células CD4 superiores a 500/mm3”, afirmou.